3 de novembro de 2008

Confiança na TI e a crise financeira global

A crise financeira global que eclodiu já há algumas semanas tem gerado comentários de todo tipo de especialistas, tentando explicar o que realmente aconteceu. Entretanto, fora dos pontos óbvios, poucas explicações inteligentes apareceram até o momento. Chamou-me a atenção a posição de Erik Gerding, professor de direito na Universidade do Novo México, EUA.


Ele é pesquisador do mercado de ações e bolhas financeiras. Sua posição em relação à crise é uma crítica da confiança que a SEC Security Exchange Comission (órgão regulador do mercado financeiro americano, equivalente à CVM brasileira) depositou na TI: esta confiança representou, segundo ele, uma "terceirização" da regulamentação das instituições financeiras, já que a análise de risco passou a ser administrada por software proprietário, desenvolvido pelos próprios bancos. Modelos de riscos em finanças são sistemas que possuem centenas de variáveis e complexidade semelhante à de análises meteorológicas. Em função da confiança da SEC nestes sistemas, e sob pressão dos bancos, a regulamentação do sistema financeiro foi modificada em 2004 para confiar o gerenciamento de riscos apenas aos modelos computacionais das instituições financeiras. Os níveis crescentes de riscos assumidos pelos bancos seriam compensados pelos modelos avançados de gestão.


O próprio Alan Greenspan, ex-presidente do Federal Reserve (Banco Central americano) declarou em 2005 que a tecnologia e os novos modelos de avaliação de crédito deram aos bancos meios de “estender o crédito eficientemente para um espectro maior de consumidores.” Este “espectro” ampliado, em retrospectiva, corresponde às pessoas que não tinham condições de assumir uma hipoteca pelos critérios tradicionais: isto é o que passou a ser chamado de “subprime”. Greenspan ainda complementou dizendo que "se antes o interessado teria o seu pedido de hipoteca negado, os bancos agora são capazes de julgar com eficácia o risco representado por esses interessados e colocar um preço apropriado nesse risco".


Entretanto, o conceito de que os bancos possuíam capacidade tecnológica para analisar o risco estava errada: estima-se que no último ano perto de um milhão de pessoas tenham perdido suas casas por não conseguirem pagar as hipotecas. E, como sabido, o impacto destes empréstimos ruins se alastrou por todo o sistema financeiro, porque estas hipotecas foram vendidas e passaram a ser combinadas com outros investimentos.


O professor Gerding acredita que uma solução para este problema seja transformar o código dos sistemas de gerenciamento de risco em código aberto: desta forma os bancos e as agências de avaliação de risco poderiam visualizar o código fonte efetivamente usado para gerenciar os riscos, aumentando a transparência do processo.


Um modelo diferente é utilizado pelas agências reguladoras européias: lá os modelos de gerenciamento de risco são auditados pelos reguladores, embora eles não possam revelá-los.


Outra possibilidade seria o compartilhamento do código destes sistemas entre as instituições financeiras, ou o desenvolvimento conjunto, mas sem torná-lo disponível a terceiros, sejam a SEC ou ao público em geral.


Embora ainda não haja consenso entre os especialistas sobre qual a melhor forma de trazer a transparência desejável ao processo, ao menos a discussão aponta para uma melhoria básica para prevenir novas crises do mesmo tipo.


* publicado originalmente na InformationWeek de outubro de 2008

21 de abril de 2008

Os limites entre o setor público e a iniciativa privada



A possibilidade de a Prodesp (Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo) romper as barreiras da esfera pública e atingir a iniciativa privada em, no máximo dois anos, levanta uma série de questionamentos na comunidade de TI, principalmente por parte dos empresários do setor.

A intenção da Prodesp em ampliar sua lucratividade comercializando suas soluções para empresas do setor privado foi manifestada desde o início de abril pelo seu presidente Leão Roberto Machado de Carvalho, nomeado para o cargo no começo deste ano. Vale lembrar que a companhia teve um lucro líquido de R$ 25 milhões em 2006 (embora tivesse tido prejuízo por vários anos em épocas anteriores). Sua atuação geográfica tem ultrapassado os limites do Estado de São Paulo com a prestação de serviços não apenas para secretarias e prefeituras de outros estados brasileiros, mas atingindo até outros países, como ocorre na Nicarágua e Nigéria.

Mas o que preocupa empresários do ramo é que a possibilidade da Prodesp entrar no mercado privado possa trazer graves conseqüências para todo o setor de TI. Afinal, como uma empresa privada, qualquer que seja seu porte, e principalmente uma média ou pequena, poderá concorrer com uma empresa gigante, responsável pelo desenvolvimento de todas as soluções em TI no Estado de São Paulo, capitalizada com o lucro de anos recentes em níveis inatingíveis para qualquer empresa privada de TI?

O último estudo do Ministério do Trabalho e Emprego mostra que, em 2005, o Estado de São Paulo possuía mais de 6 mil empresas do setor de Tecnologia da Informação, totalizando mais de 82 mil trabalhadores formais, o que representa pouco mais de um terço da massa de profissionais de TI do país. Como em quase todos os setores da economia brasileira, mais de 90% das empresas são de micro, pequeno e médio porte.

A concorrência que a Prodesp, e outras empresas públicas que venham a imitá-la, desenvolverão para as empresas privadas do setor de TI, tornará-se mais uma dificuldade para o desenvolvimento das empresas do setor.

O que é inaceitável é que esta concorrência venha sendo financiada e capitalizada pelo dinheiro dos impostos arrecadados junto aos contribuintes, que bancaram os sucessivos prejuízos do passado. Uma decisão deste tipo não pode ser tomada apenas pela empresa pública, mas precisa ser submetida à sociedade antes.

9 de abril de 2008

O computador na escola


Na semana passada, participei da abertura do evento TechEducation 2007, que se propôs a discutir o impacto da Tecnologia da Informação na educação.

Já estão em andamento no país as primeiras experiências com os notebooks desenvolvidos a partir do protótipo de ‘cem dólares’, meta definida pelo professor Negroponte do MIT.

Ao mesmo tempo, há pesquisas que revelam que metade dos professores da escola pública brasileira nunca tiveram acesso a um computador, muito menos a Internet.

Certamente, há muito que ser feito antes que o computador escolar possa ser adotado de forma generalizada. O treinamento dos professores é apenas uma entre várias medidas necessárias. O ensino de ciências em geral só se inicia na escola pública a partir da quinta série; em geral, os laboratórios dessas escolas são mal equipados ou inexistentes.

O resultado prático desta situação é que os alunos que se formam nestas escolas entram (ou tentam entrar) no mercado de trabalho em absoluta desvantagem em relação aos alunos da rede privada, que não só dispõem de laboratórios de ciências, como de computadores tanto na escola como em casa. Qualquer leitor desta publicação sabe que a capacidade de lidar com computadores é pré-condição para o ingresso no mercado de trabalho atual: a ‘exclusão digital’ acaba virando uma exclusão social.

Por outro lado, a simples presença do computador na escola também não é uma panacéia. Mesmo nos Estados Unidos, onde a tecnologia está amplamente disponível, 70% dos professores preferem continuar a usar os métodos tradicionais de ensino em sala de aula, dispensando totalmente o uso da tecnologia.

O modelo de ensino usado ainda hoje foi construído no século dezenove, inspirado nas idéias do iluminismo e dos ideais da Revolução Francesa. Esta tradição de dois séculos precisa ser rompida: o ensino de disciplinas de forma separada, em aulas que possuem sempre a mesma duração pré-determinada, carece de sentido quando se pretende que os alunos construam seu próprio conhecimento experimentando com realidades simuladas em laboratório ou mesmo com realidades virtuais nos seus computadores escolares.

Será preciso repensar os currículos dos cursos universitários de licenciatura, que continuam a ter os mesmos conteúdos e formar professores da mesma forma que vem fazendo há décadas.

Mais ainda, será preciso colocar em prática a liberdade que a lei que define os Parâmetros Curriculares Nacionais na educação: aprovada há dez anos, ela define apenas os conceitos, procedimentos e atitudes esperados dos alunos, enquanto dá aos professores e escolas a oportunidade de adaptar o conteúdo a realidade de cada local.


* publicado originalmente na InformationWeek de setembro de 2007

16 de março de 2008

A caminho da e-democracia (I)


Recentemente fui convidado a fazer uma apresentação no Exterior (mais detalhes na próxima coluna) sobre o estágio em que se encontram as iniciativas de governo eletrônico em nosso país.



O Brasil foi um dos países pioneiros na adoção do ‘processamento de dados’ por parte do governo: empresas estatais foram criadas, tanto no nível federal como nos outros níveis de governo, desde o começo dos anos 70. Estas empresas, como p.ex. Serpro, Prodam, Proderj ou Prodabel, entre muitas outras, ainda desempenham um papel significativo no atendimento da demanda por serviços de TI gerada pelos governos.


Com o surgimento do uso comercial da Internet, na segunda metade dos anos 90, abriu-se uma nova gama de possibilidades de interação do governo com a sociedade, geralmente agrupadas sob o nome de e-gov (ou governo eletrônico).


Uma das primeiras iniciativas deste tipo foi a criação do sistema de entrega das declarações do Imposto de Renda via Internet, que hoje atinge 98% dos contribuintes individuais e todas as empresas (que são proibidas de declarar por outros meios).


Outra iniciativa mais recente, mas alinhada nos mesmos objetivos de permitir ao governo fiscalizar de forma melhor e mais rápida, são as que visam a implantação da chamada Nota Fiscal Eletrônica. Por meio dela, o governo torna-se o primeiro a tomar conhecimento da emissão de cada Nota Fiscal (antecedendo até mesmo o cliente!). Há planos de tornar seu uso obrigatório para as cem mil maiores empresas do país dentro de no máximo dois anos: uma dificuldade a superar será a sincronização entre os vários níveis de governo, cada um responsável pela fiscalização e arrecadação de tributos diferentes.


Entretanto, do ponto de vista do benefício aos cidadãos, estes sistemas não são os mais importantes. As iniciativas de governo que usam recursos de TI para impactar diretamente na qualidade de vida dos cidadãos deveriam ser lembradas em primeiro.


Telecentros, Poupatempos e cidades digitais têm sido implementados no Brasil, por parte do governo federal, governos estaduais e municipais, sem uma agenda clara, muito menos um planejamento anterior que dêsse consistência ao conjunto destas iniciativas.


Um estudo recente, coordenado pelo professor Norberto Torres (FGV), avaliou os websites das prefeituras paulistas. Numa escala de 0 a 10, a maior nota ficou pra Capital (3,58!!).


Apesar do pioneirismo no uso da TI no Brasil, ainda estamos muito distantes de uma agenda ‘digital’ clara para o país, que equilibre as necessidades administrativas e de fiscalização pelo poder público com o genuíno interesse da cidadania.




publicado originalmente na Information Week de de outubro de 2007

A caminho da e-democracia (II)


Conforme antecipei na coluna anterior, participei recentemente de um debate sobre experiências americanas em governo eletrônico. Participei de um painel dentro do Congresso do CIAPEM - Comitê de Informática dos Governos Estaduais e Municipais do México, uma organização criada por lei naquele país há cerca de 30 anos. Este Congresso ocorreu, na sua última edição, no mês de setembro na cidade de Veracruz. A próxima edição deve ocorrer em Acapulco em 2008.


No painel em questão, tive a oportunidade de debater e comparar nossa realidade com representantes do México, do Chile e do Canadá.


O governo do Canadá é de longe aquele que mais oferece serviços a seus cidadãos pela Internet. Durante quatro anos consecutivos (de 2002 a 2005), a consultoria global Accenture escolheu o Canadá como o país com a melhor gama de serviços de governo eletrônico a nível mundial.


Resta-nos o ‘consolo’ que o Canadá seja um país do Primeiro Mundo... Mas, mesmo na América Latina, o Brasil está longe de ser líder neste tema. O Chile já completou a implementação da sua primeira ‘agenda digital’. Neste momento, ocorrem intensos debates naquele país sobre qual deveria ser o conteúdo da segunda agenda digital. A informatização dos serviços públicos está praticamente completa. Praticamente toda a população tem acesso aos recursos do mundo digital. Trata-se agora de selecionar as ações que, ao menor custo, terão o maior impacto sobre a qualidade de vida dos cidadãos chilenos. A área de saúde está sendo tratada como um dos pontos focais: o agendamento de consultas e exames via Internet evitará viagens de muitas horas de habitantes de áreas rurais para as grandes cidades.


No caso do México, a situação não está tão evoluída, mas existe uma estratégia nacional definida, chamada de México 2020, desenvolvida pelas associações de classe de TI do México e ‘vendida’ aos candidatos presidencias nas últimas eleições, vencidas por Felipe Calderón. Assim, há uma visão clara de qual seja o caminho a seguir. O próprio evento organizado pelo CIAPEM, com a participação de 4.000 pessoas e sob o lema ‘porque lo nuestro es la atención ciudadana’, reflete o interesse que o assunto desperta junto às várias instâncias de governo por lá.


Enquanto isso, em nossa Terra Brasilis, cada instância de governo continua agindo por conta própria, e apenas visando seus interesses de aumentar a arrecadação e o controle sobre a cidadania. Espero que este artigo sirva de alerta para a importância do assunto.




publicado originalmente na Information Week de de outubro de 2007

1 de março de 2008

Brasil 2008: enfim, bilionários!


Há muitos anos, o Brasil vem perseguindo o sonho de se transformar num pólo de exportação de software e serviços de Tecnologia da Informação. Desde o início dos anos 90, com a criação do (na época, projeto) Softex, a ambição de tornar o Brasil um exportador de TI foi alvo de diversas iniciativas.



O uso da TI como estratégia de desenvolvimento econômico vêm sendo defendida pelo Banco Mundial desde a mesma época. Alguns países se transformaram de economias de base agrícola em economias baseadas em serviços (praticamente pulando a fase industrial), como é o caso da Irlanda.



Outros, como a Índia, estão usando a TI sistematicamente, há três décadas, como alavanca de desenvolvimento social de uma população gigantesca. Não apenas gera dezenas de bilhões de dólares em exportação de serviços, como também gera milhões de empregos. Desde o final dos anos 70 até o final dos anos 90, a Índia executou um longo plano de preparação, que se transformou no ‘case’ de sucesso que é hoje na mesma época do ‘bug do milênio’.



Enquanto isso, depois de quase duas décadas de tentativas de criação de uma estratégia nacional no Brasil, podemos prever que as exportações de serviços de TI devem ultrapassar a marca de um bilhão de dólares em 2008. Mas a estratégia ainda está em elaboração: o governo federal vem trabalhando há mais de um ano na elaboração de uma ‘Estratégia Nacional de TICs’... a velocidade de operacionalização das iniciativas a nível político chega a ser assustador: basta pensarmos na total paralisação do Congresso Nacional, para a votação da emenda constitucional de prorrogação da CPMF no Senado. O Poder Executivo optou por adiar o encaminhamento de qualquer nova proposta ao Congresso (incluindo ai a Reforma Tributária e a Política Industrial do segundo mandato presidencial, cuja relevância para o país é inegável). Mais, orientou sua bancada na Câmara dos Deputados a suspender a votação de qualquer matéria para evitar a entrada de novas demandas no Senado: em outras palavras, o país virou refém da votação da CPMF. E os argumentos em seu favor só reforçam a percepção de que se trata de uma ‘extorsão’.



O resultado prático desta situação é uma paralisação objetiva de ações de governo. Enquanto isso, as oportunidades vão sendo perdidas: dezenas de milhares de empregos de alto nível de qualificação tecnológica estão deixando de ser criados no país, em função destas dificuldades.


A tecnologia é a mola propulsora da globalização, e por esta mesma razão é a atividade a sofrer suas conseqüências em primeiro lugar: a transferência de uma fábrica tradicional, com máquinas industriais, de um país para outro, é um processo lento e caro. Já a transferência da execução de serviços de TI de um país para outro é, desde que no país de destino existam recursos humanos qualificados e disponíveis, praticamente imediata e a custo zero.



As grandes multinacionais de serviços de TI já usam esta lógica há algum tempo para maximizar seus resultados. Por exemplo, a IBM não possui mais unidades de serviços em cada país onde os comercializa. No lugar disso, está concentrando a execução dos serviços em poucos e grandes centros mundiais. Ao mesmo tempo, estas grandes corporações multinacionais não querem criar a dependência de um único país, porque isto gera um risco elevado no caso de problemas políticos (p.ex. guerras) ou econômico-financeiros (p.ex. oscilações cambiais).



Atualmente a Índia é o país predominante na escolha destas empresas. A IBM possui 55 mil

profissionais contratados na Índia. Mas o Brasil entrou no radar destas empresas há alguns anos.


No Brasil, a IBM mantêm mais de 6 mil profissionais, apenas para a prestação de serviços.



Outras empresas globais como EDS e Accenture, vivem situações semelhantes. Entretanto, elas estão encontrando dificuldades para ampliar suas bases brasileiras: a disponibilidade de mão-de-obra é citada freqüentemente, mas existe uma dificuldade estrutural no marco regulatório para o setor. Os custos da contratação de pessoal são elevados, em comparação com outros países. E a terceirização é sujeita a tributação em cascata.



Uma ‘feliz’ coincidência, que se dá pela primeira vez em décadas, é que esta dificuldade está afetando o desempenho das empresas nacionais de TI, tanto grandes, quanto médias e pequenas. É por esta razão que, pela primeira vez, está em andamento um diálogo entre estes vários segmentos, defendendo interesses em comum.



Mais, o diagnóstico da situação também tem vários pontos em comum. Por exemplo, é fato aceito por todos que o nível de informação disponível sobre o setor no país é insuficiente para implementar e acompanhar qualquer estratégia: Quantos profissionais de TI temos no país? Qual o valor do mercado total de serviços de TI? Quanto exportamos? Perguntas como estas não podem depender de estimativas de profissionais experientes, mas devem ser monitoradas por meio de metodologia precisa.



Essa consciência também existe hoje no Poder Executivo. O recém lançado plano de ação 2007-2010 do Ministério da Ciência e Tecnologia também cita esta preocupação de forma explícita. Mais ainda, cita a necessidade de desoneração da folha de pagamento das empresas do setor para manter sua competitividade.



Temos a obrigação, portanto, de aproveitar esta conjunção de percepções e interesses para realizar o potencial de nosso país nesta área, antes que a janela de oportunidade se feche.
publicado originalmente na Information Week de dezembro de 2007

13 de dezembro de 2007

TV Digital como trunfo eleitoral


No fim de junho, depois de um longo processo, o governo federal anunciou a opção pelo padrão japonês no sistema de televisão de alta definição. Muitas vozes se fizeram ouvir criticando a forma como o processo decisório foi conduzido. Aqui, analisarei apenas as conseqüências desta decisão.

A decisão tomada foi formalizada através de um convênio com o governo japonês, que determinou a criação de um grupo de trabalho conjunto para a implementação do chamado "Sistema Brasileiro de TV Digital".

Adicionalmente, o acordo prevê, por parte dos japoneses, que eles não medirão esforços para fazer com que as inovações brasileiras sejam implementadas no sistema, especialmente no que se refere às soluções para a composição de terminais de acesso de baixo custo. Mais, o governo japonês deverá apoiar as empresas de lá para que reforcem o trabalho de cooperação na área privada.

Outro ponto acordado é a cooperação do governo do Japão com o governo brasileiro para a elaboração de um plano estratégico para o desenvolvimento da indústria de semicondutores. “Este plano incluirá um pacote detalhado de políticas elaborado especialmente para atrair investimentos das fabricantes de semicondutores no Brasil”, declarou o Ministro da Ciência e Tecnologia.

Em outras palavras, ingenuamente concedemos uma reserva de mercado aos japoneses, em troca de um conjunto de promessas de cooperação.

No último dia 9 de agosto, o Ministro das Comunicações reivindicou isenção de impostos federais para as empresas multinacionais que viessem a investir na fabricação de semicondutores no país. Talvez uma tentativa de convencer as empresas, porque não há consenso a respeito de se a demanda local é suficiente para garantir o retorno dos investimentos.

Em uma semana, um assessor do Ministro da Fazenda veio a público negando essa possibilidade (usando termos que não posso reproduzir aqui), sendo desmentido pelo seu chefe poucos dias depois.

Enquanto isso, o chefe de todos eles, ativamente em campanha pela sua reeleição, continua afirmando que o Brasil poderá ter uma fábrica de semicondutores com a chegada da TV Digital.

Impostos, logística, e a dúvida sobre a viabilidade do próprio investimento são suficientes para impedir o cumprimento de qualquer promessa antes da eleição presidencial. Assim, o acordo será usado como mais um trunfo do governo atual, sem que na prática, o país tenha obtido qualquer benefício concreto.


* Publicado originalmente na Information Week de agosto de 2006