1 de agosto de 2007

Repensando o futuro da TI no Brasil


O setor de Tecnologia da Informação é certamente um dos segmentos econômicos mais promissores e dinâmicos da atualidade. Há grande demanda por mão-de-obra qualificada, alimentada principalmente pelo desenvolvimento de soluções no modelo de outsourcing e/ou offshoring. Este tipo de atividade apresenta um quadro positivo para o setor no curto prazo. No entanto, é preciso refletir sobre as perspectivas de médio e longo prazo, principalmente, do ponto de vista do impacto sobre a evolução das empresas de software no país.

Cada vez mais empresas globais de TI têm investido em mercados emergentes, inicialmente na Índia e mais recentemente no Brasil e em outros países, para a instalação de uma parte de suas operações. As equipes instaladas nestes países têm como principal objetivo o desenvolvimento de sistemas 'sob medida' (sob encomenda) e a customização de softwares já existentes. As grandes empresas usuárias de TI têm gerado, em nível global, um volume cada vez maior de demandas deste tipo, literalmente 'sugando' toda a mão-de-obra disponível (abordamos o problema crescente da falta de profissionais de TI em artigo anterior, que tem como conseqüência uma migração contínua de profissionais das empresas menores para as grandes empresas globais, capazes não apenas de oferecer mais benefícios a seus funcionários, mas de acrescentar uma 'grife' aos currículos dos profissionais).

É preciso avaliar agora como esse mercado deve se comportar no futuro. Existem várias ameaças à continuidade dos investimentos neste tipo de serviço, tanto por parte dos fornecedores quanto dos consumidores globais, que precisam, no mínimo, ser levadas em conta ao formular estratégias de longo prazo.

O primeiro tipo de ameaça é oriundo da competição entre os países emergentes. No momento atual, são poucos os países que dispõem de um contingente de profissionais de TI em atividade do tamanho do Brasil, dada a sua grande população e o uso bastante intenso da TI no país. Entretanto, é perfeitamente possível que num horizonte de dez anos apareçam novos competidores entre os países emergentes: Paquistão, Bangladesh e Indonésia dispõem de população suficiente para serem competidores potenciais no futuro. Muitos outros países com população menor já intentam abocanhar um pedaço do mercado de offshoring atualmente: África do Sul, Argentina, Cuba e Filipinas são países que estão neste processo há alguns anos.

Se, por exemplo, Bangladesh vier a oferecer mão-de-obra especializada a preços muito inferiores aos da Índia e do Brasil, devemos nos perguntar qual será a reação das empresas globais de TI, que haviam investido no país: muito provavelmente optarão por desinvestir, seja com a sua saída definitiva ou com a diminuição da demanda direcionada para o Brasil. Cabe observar que uma mudança deste tipo é muito mais fácil no caso de offshoring do que com uma planta industrial, dado o volume dos investimentos. Outro aspecto que reforça esta possibilidade é o fato de que a grande maioria das companhias estrangeiras instaladas no Brasil mantém sua área de desenvolvimento principal e a definição de estratégias em seus países de origem. As equipes em países emergentes ficam encarregadas, por assim dizer, de tarefas 'menos nobres'.

Uma segunda ameaça para o processo de offshoring vêm do mercado consumidor de TI: observa-se que apenas grandes empresas, geralmente multinacionais, possuem orçamentos de TI capazes de gerar volume de desenvolvimento que gera oportunidades de offshoring. Por outro lado, o desenvolvimento de software sob medida possui um custo muito maior do que os aplicativos empacotados. A contínua e cada vez maior pressão pela redução de custos com TI e, particularmente, com desenvolvimento de software, nestas grandes empresas, também terá sérias repercussões sobre o tamanho da demanda de offshoring em longo prazo.

Os maiores fornecedores globais de aplicativos de TI para os grandes consumidores, como Microsoft, Oracle e SAP, não apenas detectaram esta situação, mas estão trabalhando já há vários anos no sentido de tornar suas plataformas de produtos cada vez mais abrangentes e fáceis de serem customizadas, reduzindo a necessidade de customizações e a implementação de funcionalidades que dependam da criação de programas sob demanda (e que estão na raiz do surgimento do mercado de offshoring em TI).

Concluímos, portanto, que a oportunidade de negócios representada pelo offshoring possui uma 'janela de oportunidade' que se fechará dentro de alguns anos. A grande pergunta é: o que queremos que aconteça no mercado brasileiro de TI depois que esta janela se fechar? Certamente, teremos profissionais sendo devolvidos ao 'estoque' de mão-de-obra pelas empresas estrangeiras e que só terão oportunidade de emprego se as empresas locais estiverem aptas a absorvê-los.

Até o momento, apesar do setor estar incluído na política industrial do governo federal como um dos setores prioritários para o desenvolvimento do País, pouco ou nada se fez de concreto para incentivar e alavancar a indústria local de software.

Sabe-se que as empresas locais sofrem com a redução de competitividade resultante da carga tributária, encargos trabalhistas e, inclusive, das indefinições na legislação existente. Até mesmo as empresas estrangeiras que atuam no país acabam sendo beneficiadas, com certa freqüência, com iniciativas que não são concedidas às empresas locais.

No cenário globalizado que antevemos para daqui a dez anos, só haverá espaço para companhias de software que atuem no modelo global de software, concebido como um produto (e não como um serviço). Não só as companhias nacionais precisam ser preparadas para este cenário (devem investir em desenvolvimento de produtos para um único mercado global, e não se limitar ao mercado doméstico), mas é preciso formular políticas de qualificação e requalificação de mão-de-obra específica para esta finalidade. A formulação dessas políticas deve levar em conta que a indústria nacional de software é formada hoje, principalmente, por pequenas e médias empresas.

Alguns incentivos concretos que sugerimos, além da revisão da tributação e 'sistema' trabalhista, incluem incentivos e financiamentos aos investimentos em pesquisa e desenvolvimento de produtos, a criação de uma rede de promoção de produtos nacionais no Exterior, a criação de programas específicos de formação de mão-de-obra para a criação de produtos de software globais, além de igualdade de tratamento com as empresas estrangeiras instaladas no país.

Caso o país continue a agir como se a oportunidade do offshoring fosse uma realidade a persistir por várias gerações, corremos o sério risco de levar as empresas locais do setor de software à extinção, passando então o país a depender totalmente das companhias estrangeiras de software. Ou agimos agora, pensando no longo prazo, ou o setor será completamente desnacionalizado em longo prazo.



*Publicado originalmente na Gazeta Mercantil em 2 de abril de 2007

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